STF tem maioria contra cobrança do Difal a quem acionou a Justiça até 2023
Fonte: Consultor Jurídico
O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria para determinar que
o diferencial de alíquota (Difal) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) não deve ser cobrado de quem acionou a Justiça até o final de
novembro de 2023 (quando a corte decidiu que o Difal poderia ser cobrado
desde o ano anterior) e não pagou o tributo em 2022.
O fim do julgamento virtual está previsto para esta terça-feira (21/10). O caso
é de repercussão geral, ou seja, a tese estabelecida servirá para casos semelhantes
nas demais instâncias do Judiciário.
A análise ocorre em uma sessão extraordinária, convocada a pedido do ministro
Luís Roberto Barroso, que se aposentou da corte no sábado (18/10).
O STF já tinha maioria formada desde agosto para confirmar que a cobrança
do diferencial de alíquota (Difal) do ICMS é válida desde 2022. Na última sexta,
Barroso apresentou seu voto, que consolidou a maioria a favor da modulação
de efeitos da decisão. Em casos de repercussão geral, seis votos são suficientes
para modulações.
Essa nova maioria passa também pelo voto do ministro Luiz Edson Fachin. Ele
afirmou que o Difal só pode ser cobrado a partir de 2023, mas ressaltou que
acompanharia a proposta de modulação caso seu entendimento ficasse vencido
— e já há maioria contra sua tese.
O julgamento foi pautado pela primeira vez com a expectativa de que houvesse
uma reiteração de jurisprudência, desta vez com repercussão geral. Isso porque,
em 2023, a corte analisou três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e
decidiu que o Difal pode ser cobrado a partir de abril de 2022 — três meses
depois da publicação da norma que regulamentou o tema.
Inicialmente, a principal questão a ser discutida era a aplicação do princípio da
anterioridade anual, previsto na alínea “b” do inciso III do artigo 150 da
Constituição. Segundo essa regra, leis que criam ou aumentam um imposto só
produzem efeitos no ano seguinte à sua publicação.
A Lei Complementar 190/2022, que reinstituiu o Difal, não menciona esse
princípio, mas faz menção à anterioridade nonagesimal (também conhecida
como noventena), prevista na alínea “c” do mesmo dispositivo, segundo a qual
são necessários 90 dias para uma lei do tipo entrar em vigor.
Em agosto, surgiu também a discussão sobre modulação: em caso de validação
do Difal desde 2022, alguns dos ministros defendem proteger quem foi à Justiça
contra a cobrança do tributo naquele ano e deixou de pagá-lo.
Contexto
O Difal foi concebido em 2015 com o objetivo de equilibrar a arrecadação do
ICMS pelos estados. Ele serve para que o imposto seja distribuído tanto ao
estado produtor quanto ao destinatário de determinado produto ou serviço.
Em fevereiro de 2021, o STF decidiu, por 6 a 5, que é inconstitucional
estabelecer o Difal por meio de ato administrativo, como vinha sendo feito até
então. Naquele ano, uma lei complementar foi aprovada para regular o tributo,
mas foi sancionada somente no dia 4 de janeiro de 2022.
O recurso com repercussão geral reconhecida tem origem em uma ação movida
por uma empresa cearense que buscava afastar a cobrança do Difal nas vendas
interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS em
2022.
De acordo com o tributarista Leonardo Aguirra, sócio do escritório Andrade
Maia Advogados, o processo de repercussão geral foi pautado com a
expectativa de que houvesse um alinhamento com a decisão de 2023 — a
chamada reiteração de jurisprudência.
A corte começou o julgamento de repercussão geral no último mês de fevereiro.
Ele foi interrompido por um pedido de destaque do ministro Kassio Nunes
Marques. Com isso, o caso seria reiniciado em sessão presencial. Mas o destaque
foi cancelado em junho e a análise voltou para a sessão virtual em agosto.
Naquela ocasião, a corte formou maioria para confirmar o entendimento de
2023 e Barroso pediu vista.
Voto do relator
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, votou pela cobrança do Difal
a partir de 4 de abril de 2022 (ou seja, seguindo apenas a noventena) e validou
as leis estaduais que instituíram a cobrança antes de a LC 190/2022 entrar em
vigor. Até o momento, ele foi acompanhado por Nunes Marques.
Segundo Alexandre, a lei complementar “não modificou a hipótese de
incidência, tampouco da base de cálculo, mas apenas a destinação do produto
da arrecadação”. Na sua visão, a técnica usada tem validade ainda no mesmo
ano, pois “não corresponde a instituição nem majoração de tributo”.
Ele explicou que a anterioridade anual “protege o contribuinte contra
intromissões e avanços do Fisco sobre o patrimônio privado”. Mas, no caso em
debate, isso não acontece, pois o Difal já existia, era aplicado às mesmas
operações e pago pelos mesmos contribuintes. Além disso, a alíquota final não
foi alterada. “Em momento algum houve agravamento da situação do
contribuinte”, assinalou.
Por fim, o relator disse que a menção à anterioridade nonagesimal na LC
190/2022 é uma opção válida do Congresso.
Proposta de modulação
O ministro Flávio Dino acompanhou a tese de Alexandre na íntegra, mas
acrescentou a ela uma proposta de modulação, para que o Difal não seja
cobrado dos contribuintes que acionaram a Justiça até 29 de novembro de 2023
(data da decisão nas ADIs) e não pagaram o tributo em 2022. Até o momento,
o voto foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, André Mendonça, Gilmar
Mendes e Barroso.
Dino explicou que, ao longo de 2021 e 2022, a interpretação de que o Difal só
poderia ser cobrado em 2023 foi disseminada em pareceres, notas das Fazendas
estaduais e decisões de primeiro grau. Assim, “inúmeros contribuintes,
seguindo orientação técnica reputada plausível, planejaram seus preços, fluxos
de caixa e obrigações acessórias pressupondo que a cobrança somente ocorreria
em 2023”.
Na visão dele, permitir a cobrança “indistinta” seria equivalente a punir
contribuintes “que agiram de boa-fé ao buscar o Poder Judiciário antes da
consolidação jurisprudencial”.
Divergência
Já Fachin divergiu dos demais e reiterou o que argumentou no julgamento das
ADIs: para ele, o Difal só pode ser cobrado a partir de 2023. Mas o magistrado
ressaltou que, caso seu entendimento seja novamente vencido, acompanhará a
proposta de modulação do voto de Dino — até o momento, o cenário é
exatamente esse.
Segundo Fachin, em 2021 o STF reconheceu que o Difal não é uma “mera
repartição do produto da arrecadação tributária do ICMS”, mas, na verdade,
estabelece uma nova obrigação tributária, isto é, tem a mesma característica que
a criação ou o aumento de tributo — tanto que foi estipulada a necessidade de
lei complementar.
Ele ainda explicou que a anterioridade nonagesimal é “indissociável” da
anterioridade anual. Isso porque a alínea “c” do inciso III do artigo 150 da
Constituição diz que deve ser “observado o disposto na alínea ‘b’”. Ou seja, a
noventena sempre deve acompanhar a anterioridade anual, “exceto se
expressamente afastada”.
Assim, na sua visão, como a LC 190/2022 faz menção à alínea “c”, também
está sujeita à alínea “b”. Se a ideia fosse apenas prever a anterioridade
nonagesimal, bastaria indicar expressamente o prazo de 90 dias. Mas o
Legislativo optou por citar expressamente o trecho da Constituição que, por
sua vez, também remete à anterioridade anual.
De acordo com o ministro, essa menção seria até mesmo “prescindível”, pois
trata-se de uma “limitação constitucional explícita ao poder de tributar”.
Fachin também apontou que, conforme a jurisprudência do STF, qualquer
medida de instituição ou aumento de tributo deve seguir a anterioridade anual,
“independentemente do veículo legislativo que a introduz”.
RE 1.426.271
Tema 1.266